sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Vitória de um movimento popular

CANCELAS ABERTAS - Vitória de um movimento popular
Ana Lúcia Bacon comemora vantagem em mais uma batalha contra as concessionárias de pedágio na Justiça e desabafa: ‘‘Fui hostilizada pelo DER’’


Em 28 de março de 2006, a professora Ana Lúcia Bacon dava início a uma briga que só teria desfecho ontem: ela queria a redução de 50% do valor pago pelos motoristas de sua cidade, Jacarezinho (Norte Pioneiro), ou o fim da cobrança de pedágio nas praças administradas pela concessionária Econorte, que ficam no distrito de Marques dos Reis, na BR-369 e na BR-153.

Depois de não ser atendida pela concessionária, ela deu início a um movimento popular e procurou a via judicial. Acumulou vitórias e derrotas. Sorriu ao ver as cancelas abertas em seu mais saboroso triunfo, em 29 e 30 de junho. Logo depois, lamentou a decisão da presidente do Tribunal Regional Federal da 4ªRegião (TRF-4) que determinava a volta da cobrança.

Ontem, mais uma vitória. A corte especial do TRF-4 determinou que a cobrança deixe de ser feita novamente. Cabe recurso da concessionária. A professora falou à FOLHA sobre a façanha de conseguir livrar os motoristas de pagar R$ 9,70 (automóveis), R$ 4,90 (motocicletas) e R$ 8,50 por eixo para ônibus e caminhões

Caso a concessionária tivesse atendido a reivindicação de conceder 50% de desconto aos moradores de Jacarezinho, vocês chegariam onde chegaram pela via judicial?

Com certeza. Precisávamos de uma solução, pois não é fácil pagar uma dose cavalar de impostos e, no final do mês, tirar do salário um dinheiro que vai para uma empresa particular. Porém, a Econorte se recusou a conversar conosco. Além disso, depois de eu fazer outros questionamentos, a concessionária entrou com um interdito proibitório contra mim e as professoras Elza Felipe e Lúcia Vinha. Teríamos que pagar R$ 10 mil por dia se fossemos à praça de pedágio fazer alguma manifestação. Diante disso, fomos atrás de providenciar a nossa defesa diante do interdito proibitório. Solicitamos documentos e fizemos algumas descobertas.

O que vocês descobriram?

Três fatos. O primeiro é a mudança da origem da praça (que ficava em Andirá), pegando mais 51,6 quilômetros de rodovia sem concorrência pública ou licitação. O segundo é que Marques dos Reis, distrito de Jacarezinho, foi separado do centro da cidade. O terceiro é a distribuição de cartões de isenção pela Econorte. A concessionária alega desequilíbrio econômico e finaceiro, mas distribui cartões aos ‘‘amigos do rei’’. Então estamos sendo tratados de maneira desigual perante a lei, pois quem utiliza cartão não paga a taxa de 5% de impostos que todos pagam. Diante disso, montamos um pedido de providências e entregamos a todas as pessoas das quais esperávamos respaldo, como a prefeita da cidade, vereadores, deputados, governador e vice, procuradoria do Estado, Departamento de Estradas de Rodagem (DER). Hoje ninguém pode dizer que não sabia o que estava acontecendo em Jacarezinho. Fomos ouvidos somente pelo Ministério Público Federal (MPF), que acatou o nosso pedido e gerou a ação civil que é o carro-chefe dessa vitória.

O governador Roberto Requião (PMDB) prometeu que faria o pedágio ser mais barato ou extinto no Estado. No entanto, o governo tem acumulado derrotas na via judicial. Vocês conseguiram algo que o aparato do Estado não conseguiu. Qual é o seu sentimento diante disso?

Aproveito o momento para um desabafo. Fui muito ostilizada dentro do DER. Isso é algo que eu gostaria muito de conversar com o governador, pois no DER chegaram a insinuar que o governo devia aumentar a minha carga horária de aulas para que eu fosse cuidar dos meus alunos e deixasse a estrada para o DER cuidar. As coisas que eu descobri deveriam ter sido descobertas por eles, que ganham para isso e deviam zelar pelas estradas do Paraná.

A senhora se considera um exemplo?

A lição que quero transmitir é que vale a pena lutar. Eu vejo que o povo brasileiro é muito pacato e acomodado. Percebi que, depois que fiz a primeira denúncia, várias outras começaram a chegar. No Brasil, somos carentes de desenvolver o censo crítico, a cidadania. Queremos que outros movimentos se formem a exemplo do movimento pelo fim do pedágio em Jacarezinho. A nossa vitória, depois de o mérito da sentença ser julgado, vai servir de jurisprudência. Pode escrever que a próxima praça a fechar é a da Lapa, que está na mesma situação da nossa. É uma professorinha do Norte do Paraná que está escrevendo história. Paulo Freire já dizia que não podemos ser objetos da história, temos que compor a história.
Estamos provando isso.

Diante de uma imagem tão positiva e sendo filiada a um partido político, por que a senhora não quis concorrer nas últimas eleições?

Quero deixar claro que, apesar de ter sido a mais votada na convenção do meu partido para uma vaga no Legislativo, desisti de concorrer porque este combate ao pedágio nasceu de uma maneira tão espontânea e natural, sem nenhum interesse político, que não valeria a pena caracterizá-lo de outra forma. Essa vitória é de um movimento popular.


Fonte: Folha de Londrina - 24/10/2008

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Dê sua opinião.